ENTREVISTA/André Silva

André Silva (Foto acima: Nilton Santos/Divulgação)é mais um guerreiro de uma comunidade no bairro do Serviluz, em Fortaleza-CE, chamada Titanzinho. Famosa pelas ondas, execrada pela sociedade por causa da pobreza, do tráfico de drogas e da violência. Tudo em nível alarmante. Ao lado de Fábio Silva e Tita Tavares - outros dois expoentes do lugar -, o surfista sobreviveu, quando as estatísticas o condenavam. André não só está vivo. Resolveu contar a história do Titan, ao lado da sua namorada, a francesa Lee-Ann Currem. "Titan Kids é também o reflexo do que foi minha vida. Talvez minha autobiografia ou algo parecido", comentou. O documentário está em fase de finalização e traz a dureza do Titan, amenizada um pouco pelo surfe. Está carregado de emoção, realidade e, acima de tudo, esperança. "A verdade é que o surfe no Titan é o escape para aqueles jovens. Esperança e sonhos de todos", afirmou. O lançamento deve ocorrer em julho, em Fortaleza.

SURFISINTHEAIR – Quando surgiu a ideia de retratar a realidade do Titanzinho em vídeo?
ANDRÉ SILVA – Depois de algumas viagens pelo mundo fazendo imagens, resolvi editar um vídeo com ondas, entre outros lugares, da Austrália, África, Hawaii e Maldivas. Fiquei motivado pelo resultado, que nem ficou lá essas coisas, mas rendeu alguns elogios. Outro dia, achei que, fazendo alguns vídeos sobre os pequenos atletas do Titanzinho, seria uma forma de conseguir patrocinadores ou apoio para eles. Até que, passado algum tempo, estava fazendo um treino com Lee-Ann (namorada), no Titan, e tive essa ideia. Comentei com ela, ao sair do mar, e fiquei surpreso. Ela estava pensando a mesmo coisa. Isso me encorajou mais. Até porque, sinceramente, Lee-Ann tem mais paciência e talento para editar do que eu. O problema e que só tínhamos mais dois dias por lá. Lee-Ann tinha um voo para Fernando de Noronha, na manhã seguinte, e eu, um dia depois. Tínhamos, no dia da brilhante ideia, um show de um grande ídolo para ir: Manu Chao. O show foi ótimo, ficamos até as 4h. Deixei-a no aeroporto às 6h e fui para a comunidade filmar. Cansado e com sono. Fiquei o dia inteiro coletando imagens, entrevistas e tomando cafezinho, é claro! O resultado daquele dia de trabalho pôde ser visto no primeiro trailer que editamos. E que foi posto em alguns sites. As pessoas gostaram tanto que tivemos de voltar em janeiro. E aí sim, filmar tudo e todos, para o documentário.

SURFISINTHEAIR – O fato de você morar no lugar fez com que o vídeo fosse ainda mais real do que outras produções do gênero?
ANDRÉ – Isso ajudou. Titan Kids é também o reflexo do que foi minha vida. Talvez minha autobiografia ou algo parecido. Sei as dificuldades que as crianças passam por lá e como o esporte pode ser um escape para elas. Tive facilidade para chegar em lugares que talvez uma pessoa de fora não tivesse. As pessoas foram solícitas e contaram sem receio a história de suas vidas, mostrando que o desprezo das autoridades é real. Por outro lado, creem que ainda existe esperança para o lugar.

SURFISINTHEAIR – Como foi a sua história no Titanzinho, antes de se transformar num surfista famoso?
ANDRÉ – Assistindo ao documentário vocês terão ideia do que e crescer no Titanzinho. De um lado, a violência extrema, prostituição e drogas. Do outro, a história de pessoas que, por meio do surfe, tornaram-se grandes ídolos no Ceará e no mundo. Cresci e aprendi a surfar ouvindo histórias sobre Tita Tavares e Fabio Silva, entre outros menos famosos, mas que enchiam meus olhos. Um dia conheci um cara que me levou com dois amigos para surfar em frente a minha antiga casa. Uma semana depois, ele conseguiu uma meia prancha sem quilhas, que tínhamos de fazer um rodízio. Ele não era nenhum milionário ou dono de surf shopping, mas a solidariedade dessa pessoa me mostrou a luz no fim do túnel. A oportunidade que queria e precisava para vencer na vida!

SURFISINTHEAIR – Você tem uma história mais pesada por que passou e sofreu com aquilo?
ANDRÉ – Além de ver pessoas morrendo diariamente, outra coisa que me chocava era a prostituição de meninas da minha idade, na época com 13, 14 anos, na construção do Porto de Mucuripe. Ter perdido meu pai, aos 12 anos, por ele ter seguido o caminho errado e passado grande parte da vida preso, foi algo que me chocou muito. Cresce, a cada dia, o índice de jovens pais que, infelizmente, não sabem a real importância paterna na vida de seus filhos. Por sorte ou misericórdia divina, contrariei as estatísticas. No Titanzinho, assim como na maioria das favelas no Brasil, as crianças aprendem cedo o duro da vida.

SURFISINTHEAIR – O mar é uma saída importante para amenizar essas dificuldades. Qual o seu posicionamento em relação ao fato de o Governo do Ceará querer construir um estaleiro no local, podendo até acabar com as preciosas ondas do Titan?
ANDRÉ – É triste saber que isso pode acontecer. Depois, conversando com amigos, tomei conhecimento que é possível lutar contra a pouca sensibilidade e personalidade egocêntrica do governador (Cid Gomes). Infraestrutura, segurança pública, escola, saneamento básico são benefícios básicos e obrigatórios para inclusão e formação social de qualquer pessoa no mundo! Como eles podem acabar com a história de sucesso de pessoas que lutaram para conquistá-la!? Como já citei, o Porto do Mucuripe foi construído onde antes era uma vila de pescadores. O benefício que essa mega-obra trouxe para a região foi a prostituição. Junto com ela, o HIV e o consumo de drogas. Durante anos nada foi feito para ajudar os jovens daquela pequena vila. E hoje, que o Titanzinho faz história, tornando-se o berço do surfe cearense e celeiro de grande atletas, o governador deseja aterrar a praia com a promessa do progresso, que certamente trará, mais uma vez, o horror na vida daqueles jovens.

SURFISINTHEAIR – Em que sua namorada a Lee-Ann ajudou?
ANDRÉ – Ela praticamente montou toda a linha de edição. Imagens, música, efeitos... Eu tive de fazer a tradução e cortes. Conhecendo o português, sabia o que era relevante. Foi um trabalho em conjunto, no qual cada um fez o que era necessário. Não é algo tão maravilhoso assim, mas crianças de todo Brasil e do mundo vão se identificar um pouco com cada história e principalmente com a magia do surfe.

SURFISINTHEAIR – Vinda da França, País com índices sociais altamente positivos, Lee-Ann sofreu um impacto muito forte ao conhecer pela primeira vez o Titanzinho?
ANDRÉ – Foi um impacto triplo. Ela não acreditava que as crianças vivessem todos os dias desassistidas daquela forma pelos pais. Dois: não entendia como mesmo cercadas de tantos perigos e passando tanta dificuldades, elas eram tão felizes e sorridentes. Por último, como poderia passar pela cabeça do Governo acabar com a única esperança real para aquelas crianças. No final, ou melhor, no início dessa nova história sobre o Titanzinho, ela fez grandes amigos. Conheceu um pouco mais sobre a cultura brasileira e nordestina. Pegou altas ondas, aprendeu um pouco mais o português e comeu um delicioso baião de dois com peixe. Pelo visto, não foi fácil o primeiro contato, mas ela adorou as pessoas e as ondas.

SURFISINTHEAIR – Como está seguindo a parte prática do filme? Principalmente os lançamentos, nacional e internacional?
ANDRÉ – Praticamente terminamos tudo. Agora faltam alguns detalhes técnicos, como áudio e efeitos. Estamos tentando conseguir um local, em Fortaleza, para que todos possam assistí-lo. E, em agosto, a mostra será em Biarritz, cidade onde a Lee-Ann mora. Acontecerá num festival de filme que ocorre todo ano na cidade francesa.

SURFISINTHEAIR – Para você, até onde o surfe pode ajudar os seus irmãos do Titan?
ANDRÉ – Depois de viajar o mundo conhecendo pessoas, culturas, línguas, não consigo ver de que outra forma eu poderia ter sobrevivido a todos os perigos e vencido a tanta adversidade na vida. O esporte, no meu caso o surfe, salvou minha vida. Assim como a de muitos amigos e jovens pelo mundo. Se as crianças do Titan não chegarem a ser os melhores surfistas do mundo ou campeões mundiais, ao menos terão a oportunidade de conhecer o mundo. Aprendendo, assim, um nova língua, podendo no futuro trabalhar dentro do mercado do surfe ou se formando em turismo, por exemplo. A verdade é que o surfe no Titan é o escape para aqueles jovens. Esperança e sonhos de todos.

SURFISINTHEAIR – Foi muito difícil para você vencer no surfe?
ANDRÉ – Depois de vencer o meu primeiro campeonato logo no segundo evento que participei, coloquei na minha cabeça que tinha de agarrar aquela oportunidade e fazer o melhor possível, dentro e fora d’água. Em contrapartida, amigos da minha idade se preocupavam com as meninas, ir para festas e argumentavam que fumar maconha aos 15 anos não era nada demais. Eu estava focado no objetivo de ser surfista profissional, ganhar campeonatos no Norte-Nordeste e um dia viajar pelo mundo. Encontrei pessoas boas na minha jornada. Não estaria aqui hoje, nem seria a pessoa que sou, sem a ajuda delas. Minha mãe foi uma guerreira. Meus patrocinadores, família Pena e família TBC, sempre acreditaram em mim. Os empresários Fernando e Thiago Baldino também. Não esqueço também os amigos do Titanzinho. Juntos vivemos grandes aventuras para participar de competições na época de amador. A todos, meus sinceros agradecimentos, sempre.

Trailer logo abaixo

Titan kids trailer 1 from Andre Silva on Vimeo.