ENTREVISTA/Mário Neto




Quem viu o pernambucano Mário Neto manobrando numa onda perfeita ou se preparando para mais um tubo, entende os motivos do convite do Surf Is In The Air para que concedesse uma entrevista especial ao blog. Iniciado no esporte em 1982, transformou-se 10 anos depois num dos surfistas mais festejados do Brasil. Falta de sorte, contusão e alguns descaminhos encerraram precocemente uma carreira que tinha tudo para ser um sucesso absoluto. Se ele se arrepende? "Me arrependo das escolhas erradas na minha vida. Não só no que diz respeito ao surfe, mas em tudo", diz. Mesmo assim, ele viveu o que tinha de ser vivido. Viceralmente. Fez amigos, morou no Havaí dois anos e meio e hoje estuda o curso de direito. Ensaia, ainda, um retorno às competições masters e universitárias. O surfe, no seu templo, em Serrambi, é feito sempre que pode. Está marcado na sua pele. Mário não quer ser exemplo de nada. É apenas o Marinho, o "garoto fantástico" nas rodas de conversa sobre o surfe. A sua história, contada aqui com sinceridade, no entanto, vale a pena ser lida. Queira ou não, vale como ensinamento para quem está começando a amar o esporte e pretende adotá-lo como profissão.

SURFISINTHEAIR – Quando o surfe entrou na sua vida?
MÁRIO NETO
Tudo começou quando nos mudamos de Casa Forte para Boa Viagem, em 1980, por causa da minha alergia. Um dia, em 1982, fui com minha mãe encontrar uma amiga dela de infância, que chamava de tia. Os seus filhos eram considerados meus primos. Ela morava no Edf. Aquarius, ao lado do Espanha, onde havia um pico de surfe. Os meus primos surfavam. Um deles, Leo, estava surfando no dia dessa visita e perguntou-me se eu queria experimentar. Ele me empurrou numa onda e fiquei em pé de primeira. Foi paixão a primeira vista. Eu tinha 7 anos. Depois disso, aperriei minha mãe até ela comprar uma prancha para mim. E nunca mais parei.

SURFISINTHEAIR – Em que momento sentiu que o negócio vinha para ficar?
MÁRIO NETO
Eu me envolvi com o esporte de primeira, me apaixonei desde a primeira onda que fiquei em pé. Mas só fui ter noção de que o surfe poderia se tornar uma profissão aos 15, 16 anos.

SURFISINTHEAIR – Você teve bons patrocínios. Tinha moral. Como era a sua vida nesta época?
MÁRIO NETO
Desde os 13 anos eu já viajava sozinho de ônibus para os campeonatos em muitos Estados. E nem sempre tive patrocínio. Muitas vezes banquei tudo com dinheiro do próprio bolso, do meu pai (risos). Mas tive bons patrocínios também. Passei um tempo em Santos, quando era da Lighting Bolt/Quiksilver. Tive de voltar porque não consegui escola por lá. Tinha 16 anos e essa passagem se deu em 1991. Apesar de ser de uma família de juristas, tradicional, o que pesou para minha volta foi mesmo minha consciência de que o estudo era importante. Em 1992 eu me machuquei surfando em Serrambi, justamente no ano em que seria a seletiva para formar a equipe brasileira para o mundial da França, o que me prejudicou muito. Eu me tornei profissional aos 19 anos, em 1994, quando fui campeão pernambucano open e tinha acabado o ensino médio. Em 1995, fui vice-campeão profissional nordestino e segui competindo, usando o dinheiro das premiações para disputar o evento seguinte. No início do SuperSurf, em 1999, estava em 17º lugar no ranking brasileiro. E os 28 primeiros já estariam garantidos no próximo ano, pagando a taxa de filiação da Abrasp dentro do prazo. Perdi o prazo e, com isso, meu lugar no SuperSurf. Competi em quase toda América do Sul, Portugal e pelo Brasil inteiro. Sempre fui tido como promessa e um talento indiscutível. Acho que por isso mesmo nunca fui um atleta exemplar. Sempre saía nas festas dos campeonatos e gastava muito nos lugares. Sempre me garantindo no talento, porque achava que o talento iria falar mais alto que a condição física.

SURFISINTHEAIR – Você foi apontado como o maior talento nacional. Porque não explodiu?
MÁRIO NETOO questão competitiva é complicada. São muitas variáveis, muitos elementos a serem observados. Eu nunca me achei um bom competidor. Sempre pecava pela ansiedade. Fiz muitas interferências nas baterias na minha carreira, baterias importantes. São muitos os detalhes envolvidos para você se sair bem numa competição. Muitos fatores. E a sorte também é um deles. Porque se a onda não subir para você, como você vai mostrar seu surfe? Teve também meu acidente em Serrambi. Estendi os ligamentos do joelho. Foi no ano da seletiva que mencionei anteriormente. E a primeira etapa era em Pernambuco. Acho que aquele ano poderia ter mudado minha história no surfe competição. Outro fator negativo foi não ter pago a filiação da ABRASP, em 1999. Houve uma série de fatores, escolhas, causas e condições que tiveram consequências negativas. Acho que não tive perseverança, disciplina, responsabilidade e, muito menos, visão do futuro como deveria. Ficaram o respeito por ter sido um bom surfista e os amigos por onde passei.

SURFISINTHEAIR – Como tomou a decisão de ir para o Havaí e como foi sua estada na Ilha?
MÁRIO NETOEstava sem patrocínio e decidi que era a hora de passar por essa experiência. Fui sem muita perspectiva, querendo somente surfar sem compromisso. Foi uma boa estada, uma experiência positiva. O Havaí é um lugar maravilhoso, paraíso mesmo, mas com o tempo, e tendo de se sustentar com subempregos, não vale a pena. A não ser que seja a sua última cartada. Se a pessoa não tiver uma estrutura aqui no Brasil. Havaí é bom para se conhecer nas férias, mas para morar, só se aqui você não tiver mais nenhuma alternativa. Morei mais de dois anos no North Shore, que na verdade é uma cidade de uma rua só. Morei também cinco meses num camping no East Shore, numa fazendo à beira-mar. Foram tempos difíceis, sem emprego e morando isolado do mundo, mas foi um grande aprendizado.

SURFISINTHEAIR – Como foi conviver com um localismo havaiano?
MÁRIO NETO
Na primeira temporada é complicado. Tive episódios bons e ruins, mais bons que ruins, mas entre dezembro e final de janeiro é quase insuportável o crowd em picos como Pipeline/Backdoor. Fiz amigos de cara, outros conquistei aos poucos, mas o saldo é positivo. Em Backdoor, por exemplo, vi, de dentro do tubo, Tom Curren parar de remar no canal para vibrar com minha onda e depois elogiá-la, dizendo que havia sido uma boa onda. Em outro momento do mesmo dia fui repreendido por Kai Garcia, por ter entrado numa onda em Backdoor, que supostamente seria de um amigo dele. Cheguei a ser agredido por ele, que tem, diga-se de passagem, mais de dois metros de altura e 110 kg. Com o tempo, até mesmo esse cara veio tirar o chapéu para mim numa sessão em Backyards, em que peguei um tubão de 5’8”, com um pé quase no bico.

SURFISINTHEAIR – Olhando pra trás, com todo o seu potencial, se arrepende de alguma coisa?
MÁRIO NETOClaro que sim, me arrependo de muitas coisas. Escolhas erradas na minha vida, não só no que diz respeito ao surfe, mas em tudo. Na minha opinião todo mundo se arrepende. Quem diz que nunca se arrependeu de nada na vida está mentido! Talvez mentindo para si mesmo! Mas, para mim, todo mundo se arrepende sim de coisas que fez, ou que deixou de fazer.

SURFISINTHEAIR – Como é auxiliar a vida de advogado e de surfista?
MÁRIO NETO
Eu ainda não terminei meus estudos em advocacia, mas trabalho no escritório de minha família há uns 3 anos. Minha família é toda de advogados. E nosso escritório tem 100 anos de atividades ininterruptos. Parei este ano pois estou me dedicando a concursos públicos. Surfo quase todos os finais de semana e, este ano, como saí do escritório e estou de férias da faculdade, estou surfando muito mais. Estou competindo também no Circuito Master de Pernambuco, assim como no Circuito Pernambucano Universitário. Estou procurando uma ajuda para custear minhas pranchas e poder competir os dois circuitos até o fim do ano.

SURFISINTHEAIR – O que sente toda vez que pega um dia de surfe grande em Serrambi?
MÁRIO NETOSerrambi é como um reduto para mim. Um local quase sagrado. Um dia de surfe grande e bom lá é algo que transcende o cotidiano, vai além. Para mim é uma terapia para a mente e para o corpo. Um dia grande na direita de Serrambi é uma coisa para poucos.

SURFISINTHEAIR – Alguns planos em mente que tenham o surfe como prioridade?
MÁRIO NETO
O surfe nunca vai deixar de fazer parte da minha vida. Pretendo seguir surfando sempre que possível. Desejo uma surf trip quando terminar os estudos, competir nos campeonatos regionais master e universitário e, quando possível, os nacionais dessas categorias. O ideal para mim é trabalhar para poder fazer duas viagens internacionais por ano para surfar.

SURFISINTHEAIR – Como avalia o cenário do surfe em Pernambuco?
MÁRIO NETO
O cenário está se renovando, com muitos novos valores. Um exemplo são os garotos de Maracaípe. Acho que após uma parada de quase duas décadas por conta dos ataques de tubarão, o surfe começa a renascer em Pernambuco. A região está se desenvolvendo muito, o que traz novos investimentos no ramo, pois as empresas também estão crescendo. Com essa nova ponte em Paiva, tudo vai ficar melhor. Este ano vamos ter muitas competições amadoras, tivemos eventos profissionais importantes aqui também. Acho mesmo que de agora em diante o surfe não vai mais parar de crescer em nosso Estado.

SURFISINTHEAIR – O que te impressiona quando você assiste a uma sessão da nova geração?
MÁRIO NETOO que mais me impressiona é a habilidade da nova geração com as manobras aéreas, mas não concordo plenamente com as mudanças nos critérios de julgamento. Hoje em dia, o cara vem na onda e faz apenas uma manobra. Se for aéreo, tira uma nota boa ou excelente – 6, 7, 9 pontos. Não acho que seja por aí, pois o importante avaliar se o público está gostando. Elee vai à praia querendo ver espetáculo e, definitivamente, não acho que uma manobra na onda, um aerial, que leva cinco segundos na onda toda, será mais bem visto como espetáculo do que a performance de cara que vem desenhando a onda com uma linha clássica de base e lip - a onda toda e surfando entre 15 e 20 segundos -, por exemplo.

Fotos: Arquivo Pessoal

Comentários

  1. Grande Mário Neves! Menino bom. Sabe tudo de surfe e um pouco mais. E grande figura humana. Um abraço, meu velho.

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  2. Mais que um primo! um irmão, um ídolo que me introduziu no mundo do surf. Pessoa fantástica de coração enorme. Estilo ímpar no surf, com linhas clássicas e ao mesmo tempo com manobras atuais, Marinho é o melhor tube rider que vi surfar na direita de Serrambi ! Aloha

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