Surfista-criado

À VONTADE Jadson vai pelo caminho dos tubos para vencer. Kirstin/ASP

Muitas vezes, palavras não são apenas meras palavras. A frase anterior não é um esforço de parecer filosófico - ainda mais com uma sentença tão lugar-comum. Mas as entrelinhas da entrevista de Jadson André, concedida ao reporter Fernando Iesca, do Portal Waves, mostram que existe algo novo no ar. O potiguar passou, nesta segunda-feira (11/10), por um dândi do surfe mundial e isso trouxe consequências. Andy Irons foi escovado por Jadson, que entrou na terceira fase da etapa do WT em Peniche, Portugal. E, em Supertubos, esqueceu aéreos. Andou por dentro. No estilo, recebeu o passaporte.

Na areia, Jadson disse ter torcido para não cair no domingo. Com fundo irregular e muito vento, as ondas de Supertubos estavam semelhantes às do Nordeste, segundo ele. Se caísse na água naquelas condições, ia soltar o seu arsenal de aéreos. Se vencesse, temia que continuassem a chamá-lo de surfista com apenas um recurso. Pois bem. Não entrou no mar no domingo, caiu esta segunda e jogou o jogo dos caras. Se eram nos tubos que queriam vê-lo em ação, diante de um havaiano, o desejo de todos foi realizado. Em grande estilo.

As manobras aéreas, entre as décadas de 1980 e 1990, eram consideradas "perfumaria". Ícaro Cavalheiro e Dadá Figueiredo, precursores do que hoje é moda no mundo todo, cansaram de extrapolar os limites, mas eram vistos como surfistas que enfeitavam mais do que surfavam. Vieram os anos 2000 e o negócio começou a mudar. E a justiça foi feita. A própria ASP reconheceu que o surfe progressivo, com as tais manobras inovadoras - voos inovadores, para ser mais claro -, passou a ser mais apreciado. Ganhou valor. Só menor que o tubo, que você precisa pegar apenas um, profundo, para fazer uma nota incrível.

Os brasileiros assimilaram bem esse novo estilo. Moleques de 10 anos de idade, do Nordeste ao Sul do País, já fazem do mar uma pista de decolagem. E mandam muito bem. E desafiam a gravidade como ninguém. Agora que o negócio começa a virar, que finalmente temos um surfe sólido misturado às tais manobras voadoras, começam a olhar de lado o jeito tupiniquim de chegar junto. Lembro bem, lendo aqui e ali, que a ASP postava-se totalmente a favor da nova ordem, a favor do pelotão que está vindo aí com sede de tomar seu lugar.

Em Huntington Beach, os brasileiros detonaram na etapa de "ouro" do WQS, aquela que distribui US$ 100 mil em dinheiro para o vencedor, levados por Brett Simpson. Os aéreos saíam na maior naturalidade do mundo. E era concluídos da mesma maneira. Jadson e Miguel Pupo empolgavam a areia. Mas não os juízes. Ficaram pelo caminho injustamente. No Facebook, li um dirigente de longa juba afirmar que faltou um jogo mais criativo, diversificado, com mais manobras que não fossem "apenas" aéreos. Apenas aéreos? Mas não é isso que a ASP quer?

A frase de Jadson falando que queria derrotar Irons nos tubos para depois não falarem que ele ganhou do havaiano "só com aéreos" foi de uma consciência admirável. Ele e outros, entre os quais Luiz Campos, o Pinga, seu manager, estão observando nova desculpa para barrar o pelotão nacional que vem por aí com gosto de sangue na boca. Grabriel Medina, Peterson Crisanto, Miguel, Alejo Muniz, Jadson... é decolagem para ninguém colocar defeito. A inocência de antes, no entanto, se perdeu no tempo. E querer pegar na lábia surfista-criado é outra história.

Abaixo, o vídeo dos melhores momentos da primeira fase do Ericeira Pro.

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